
Uma reunião quinzenal para conversar sobre os sentimentos, desafios, decepções, alegrias, expectativas e realidade. É o que acontece na Escola Estadual Amélia Josefina Keesen, em Belo Horizonte, sob orientação do professor de Educação Física Everton Lourenço. O objetivo? Implantar na escola o programa Justiça Restaurativa Nas Escolas por meio do Núcleo de Orientação de Solução de Conflitos Escolares (Nós).
Os convidados da roda de conversa, que acontece todas as segundas-feiras, são os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental da Educação Integral e Integrada. O bate-papo inicia-se com exercícios de respiração para relaxar e começa tímido, com poucas vozes, mas, aos poucos, ganha a simpatia dos alunos, e os tutores conseguem ampliar a interação dos estudantes.
Indicado pela equipe pedagógica da escola para ser o responsável por implantar o Nós, o professor Everton explica que, apesar de o programa ser voltado para resolução de conflitos, a estratégia que ele preferiu adotar é, inicialmente, não falar sobre isso. Segundo ele, que realizou a primeira atividade no dia 21 de maio, depois de fazer a capacitação do programa, o ideal é que os alunos se conheçam melhor para, inclusive, evitar discussões e atritos. Para isso, Everton valoriza muito a técnica indicada na metodologia do programa chamada de “objeto de fala”, ou seja, o aprofundamento em diálogos com o extremo respeito à explanação e à escuta, e assim prioriza a política de prevenção de conflitos, em vez de solução.
“Saber ouvir e poder falar são de extrema importância para um programa como esse, uma vez que conflitos também podem ser entendidos como uma diversidade de ideias. É preciso entender que existem os conflitos tidos como agressões verbais, físicas, mas também aqueles conflitos de opinião. Por isso o objeto de fala é tão significativo, pois os alunos têm a hora de falar e de ouvir, escutar. Isso é fundamental para entender o seu lugar e o lugar do outro”, esclareceu o professor.
Além ensinar a prática que incentiva o saber ouvir e falar, Everton conduz o encontro de forma que os estudantes consigam se expressar e dizer mais sobre si mesmos por meio de brincadeiras e atividades interativas. Uma delas é o jogo do novelo de lã, que convida os alunos a segurarem uma ponta do fio cada um e contarem sobre uma experiência positiva que tiveram na vida, até formar uma teia no meio do círculo, que representa a quantidade de situações boas compartilhadas ali. No entanto, da mesma forma que há a exposição de falas positivas, também há o momento para falarem sobre dificuldades, incômodos e desafios, o que, na visão do professor, é muito enriquecedor.

“Estas conversas semanais ajudam os estudantes a terem mais conhecimento sobre si mesmos e sobre os colegas, já que muitos falam sobre situações pelas quais nem se imagina que passam. Poder falar sobre os sentimentos e até sobre o humor do dia, se está feliz ou triste e porquê, ajuda muito a ter a consciência de que todos passam por dificuldades e alegrias, e nos cabe respeitar o individual de cada um. É isso que pretendemos: incentivar e fortalecer o respeito para que não haja conflitos”, disse o professor.
A semente plantada pelo professor já mostra resultados. A aluna Letícia Fabiana Rezende dos Santos, do 8º ano, é uma das mais comunicativas durante a realização do que eles também chamam de círculo, e diz adorar as atividades. “Eu acho muito especial esse círculo, porque melhora nossas comunicações, quebra barreiras que impedem de sermos mais amigáveis, mais gentis, mais amigos uns dos outros. Isso deixa todo mundo mais unido. Talvez a gente olhe para uma pessoa e sem motivos a deixa de lado, mas quando chega no círculo pra conversar, a gente descobre que a pessoa sofre um bullyng, por exemplo, e aí tenta amenizar isso, tenta conversar com a pessoa pra deixar ela mais tranquila e confiante”, disse a estudante.
Apesar de os professores escolherem a estratégia da boa convivência como uma prevenção de conflitos, se algum acontecer, Letícia é uma dos estudantes que estão preparados para ajudar na solução. “Aqui aprendemos a ter mais compreensão, mais respeito e ser justo com todos. Isso, sem dúvida, é uma base muito boa para resolver um problema, conversar com quem brigou, amenizar a situação”, explicou a aluna.

Para a professora Kátia Martins, que dá aulas de Língua Portuguesa há 11 anos na Amélia Keesen e também está à frente do projeto, a implementação do programa Justiça Restaurativa, por meio do Nós, representa uma grande evolução. “Isso significa uma mudança do modo de ver as coisas, do modo como alunos se relacionam com seus professores e colegas. Eu sinto que eles se comprometem com o programa, muitos querem saber como funcionam, e é isso que estamos tentando colocar pra eles. Tentamos sempre esclarecer que o Nós pode contribuir para melhorar a personalidade, o modo como lidam com os colegas e até com as pessoas fora da escola, como a família. Enfim, explicamos que as práticas do programa vão trabalhar suas qualidades e incentivar mudanças positivas que eles vão poder levar para toda a vida”, disse a professora.
Justiça Restaurativa – Nós
O programa Justiça Restaurativa nas escolas, por meio do Nós – Núcleo de Orientação e Solução de Conflitos Escolares – tem objetivo de tratar atos penais ou infracionais cometidos por estudantes nas escolas de forma a transformá-los em oportunidades de construís relações de cooperação, com a restauração de vítimas e de autores dos conflitos e com a reparação dos possíveis danos provocados.
Lançado em março de 2018 por meio de uma cooperação técnica entre Governo do Estado de Minas Gerais, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Ministério Público de Minas Gerais e Universidade Federal de Minas Gerais, o programa atende 120 escolas da rede municipal e 120 escolas da rede estadual que aderiram espontaneamente.
A coordenadora de Educação em Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Kessiane Goulart, explica que o Justiça Restaurativa – Nós tem diretrizes muito condizentes com o Programa de Convivência Democrática já desenvolvido pela SEE. “No Convivência Democrática, além das perspectivas de direitos humanos e valorização e de reconhecimento das diferenças, existem as orientações para tratamentos de conflito por meio do diálogo e para a criação de espaços de discussão e debate sobre os problemas enfrentados pelos alunos e professores na escola. Por isso, acredito que são dois programas que se encaixam e fazem um trabalho efetivo dentro das escolas e também nas comunidades às quais pertencem”, disse Kessiane.